sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Pode um escravo filosofar? (Parte 2)


 


(Continuação)


Estariam nossas aspirações vocacionais e talentos criativos inatos se desenvolvendo, aflorando, se expressando satisfatoriamente neste mundo que se diz amplificador de potencialidades através da técnica e da tecnologia, mas que, ao invés disso, usa estes mesmos recursos justamente para o melhor condicionamento de suas ferramentas animadas? O que será essa “agilidade mental” que as crianças adquirem no contato com as modernas tecnologias da informação? Que critérios separam o fator QUALITATIVO e potencializador de realização pessoal destes elementos (agilidade e informação) dos fatores desumanizantes, despersonalizantes, escravizadores?

O quadro amplo com que nos deparamos é estarrecedor: multidões tangidas ao domínio mediante atraentes mecanismos potencializadores da ferramentação humana – o que não pode ser confundido com capacitação pura e simples, nem com agilidade mental e física em si mesmas. Amplo porque engloba praticamente todas as classes e grupos sociais, incluindo mas não se restringindo ao setor do operariado em sentido industrial. E sustentado por uma pedagogia superficial e tendenciosa, que não investe devidamente na VOCAÇÃO do indivíduo – que é algo a ser descoberto, antes de incrementado –, mas já parte de seleção e competição como ideias basilares, antes mesmo da educação em si. Cruel ponto de partida! Do abismo para o abismo...

Quem pode escapar deste controle abissal, desta desumanização técnica em massa?

Então constato, melancólica e corajosamente: sou um escravo. Eu, somado à maior parte dos terráqueos. Preciso ter a humildade de admitir isso; do contrário, enganaria a mim mesmo. Mas, que tipo de escravo sou? Ora, um escravo filósofo. E como isso é possível? Entendendo que a Filosofia busca sua autoaniquilação através de sua plena realização: uma vez plenamente concretizadas nossas aspirações libertárias, nada mais teríamos a reivindicar e, logo, não precisaríamos mais de Filosofia, já que esta serve apenas para a melhora de nosso estado de vida. Se bem que os espertos sabem que crer que este quadro seja alcançável é uma ilusão, pois sempre teremos algo a melhorar na vida e no mundo, eternamente, ao que tudo indica. (O próprio “Paraíso Ideal” é eternamente reconstruído – e assim deve ser.)

Nesse contexto, eu posso muito bem considerar-me filósofo: sempre emergindo da escravidão, sempre sem presunção de ter atingido um “ápice” filosófico que nunca chegaria, de qualquer forma, mesmo que eu esteja agora tolhido pelas amarras e correntes do trabalho alienante.

Contudo, neste meu longo emergir, tenho em mente que o foco visado do Ideal almejável deve me conduzir, pois a libertação filosófica, enquanto permanecer somente virtualizada, embrionária ou simplesmente esboçada, mesmo com toda a intenção, heroísmo ou até martírio idealístico, restará sempre como uma luminosa esperança, mas nunca como realização. E há, sim, uma forma de realização presente e viável: um CAMINHO perfeito em si mesmo, um Ideal de caminho, como meta fluída. Sem um término no tempo, mas já ganha na atitude.

A Filosofia até pode ser, ela mesma, apenas uma eterna esperança, um vir-a-ser, um caminho infindável de aventuras... Sem finalização, mas tendo somente um sentido, uma direção. E o que nos caberá, então, será aperfeiçoarmos o nosso senso de direção.

Para onde estamos indo, afinal? E como estamos indo? As respostas ou tentativas de respostas a essas duas perguntas consistirão toda a parte efetiva da nossa Filosofia.

Na dúvida, a escolha: ou guiamos a nós mesmos no caminho, por mais insondável que ele nos pareça, ou então nos deixamos conduzir. Se optarmos por sermos “passageiros” ao invés de “tripulação”, teremos ao menos que escolher muito bem nossos tripulantes e comandantes (e que Deus abençoe nossas escolhas...).

A resposta à pergunta inicial é, pois: SIM, É POSSÍVEL um escravo filosofar, mas a natureza deste filosofar se definirá numa escalada da subjetividade à objetividade: do ato do pensar ao do realizar. A Filosofia, como pensamento, é possível em se estando submetido ao estado de extrema restrição. Mas não no contexto da ação filosófica. Esta pode até ter início no estado de escravo, mas será consolidada somente em forma de ação livre.

Vemos, assim, que há 2 FILOSOFIAS: uma teórica, outra prática. É preciso, porém, liberdade de ação para tornar FATO o pensado.

Seja como for, o 1º PASSO já pode ser dado: a libertação do pensamento – caso esta seja, primeiramente, ansiada. A ação mal pensada, por sua vez, nada mais é que uma má revolução.

E de más revoluções já estamos fartos.








Nenhum comentário:

Postar um comentário