terça-feira, 22 de agosto de 2017

A Fome (talvez uma introdução)





Deixe-me ver...
como vou explicar...

Algo me fez abrir a janela depois que acordei,
e não foi apenas para iluminar o quarto
ou para me certificar
de que ainda não sou um vampiro (apesar da cara).
Não seria a mesma coisa que me fez levantar da cama?
A mesma que me obrigará a retornar a esta?

Tenho tentado entender
e explicar a mim mesmo durante toda minha vida,
e devo confessar que muitas vezes cansei da tentativa.
Mas, tendo em vista que é muito mais cansativo
suportar o imenso buraco
da falta do entendimento e da explicação,
pus-me novamente na jornada.

Mal imaginei a dificuldade.

Procurei ausentar-me de rancores passados,
sobretudo dos que fazem sentido.
Decidi ressuscitar para uma vida melhor,
à minha maneira.
Mas... seria ela realmente a minha?
Sublimei as proezas de minha ignorância
e acabei por torná-las sublimes...

É, já mereço o certificado de Habitante da Terra.
Um diploma de Ser Humano.
Mas, e depois?
Como me conformar com esse vazio nos becos,
nas avenidas,
nas montanhas,
no espaço?
(Fragmentos de lixo espacial
colecionados por ufólogos não contam.)

Esse vazio em meio à fartura?
Tanto os que se fartam como os
que carecem dos elementos vitais
talvez estejam há muitos anos-luz
dO Elemento Vital por excelência.
Talvez nem saibam pedi-lo,
por não saberem verbalizá-lo...
Mas... será que EU sei?

Acho que já passou do meio-dia.

Verdade seja dita:
a realidade não mais me satisfaz.
Quer dizer, aquilo que vulgarmente denominamos
realidade.
Aquele negócio de “nascer, crescer,
reproduzir-se e morrer”.
Ah, conte outra! Eu sei
que querem me esconder algo.
Sempre fazem isso com as crianças.
Só que eu já cresci e...
(Eu cresci...)

Bem, chega de papo.
Tentemos a telepatia.
Algumas coisas devem ser ditas mais diretamente.
Se a sucessão das palavras parecer confusa,
imagine então o nada dizer! (e o nada pensar!!)
É o velho paradoxo do “complexo que simplifica”.
Como a matemática e o computador.
Dói mas cura, como injeção.

Por favor, escute.
Tente me ajudar, mesmo porque
estará ajudando a si mesmo:
Eu... não encontrei nos becos e ruelas da cidade
o que lá jamais poderia encontrar.
Voltei e fui,
fui e não posso exatamente dizer
que não tenha voltado diferente.
O destino encontra mil maneiras criativas
de colocar-nos num estado ainda pior.

O problema é que às vezes
tento parecer engraçado,
enquanto que por dentro estou chorando...
Eu tenho uma fome.
E tenho a impressão de que
a vacuidade que provém das suas mãos
acarretaria um holocausto nuclear
caso viesse a se unir a minha própria vacuidade.
Se há algo que possa matar
essa dúvida insípida e mortal,
seria certamente a morte imediata
de nossas mais amargas certezas.

E a telepatia não funciona.
Ainda que você me esmurrasse
e jogasse contra a parede,
estaríamos perdendo pontos no Ibope.

Seríamos então cascas, sem vida
e sem certeza?
Ora, de que vale a certeza
diante do absurdo?
Cabeças decepadas pensariam melhor
que o pendor destes membros...
Mas sei que eles foram feitos para sentir
– e não gostam do que sentem agora.

Caso você não tenha ainda percebido,
continuo com a Fome.
Logo meus atos estarão esboçando
o desconhecido que me envergonha,
levando você às lágrimas de compaixão católica.
Antes chorasse por você mesmo,
ao invés de perder seu tempo abençoando “condenados”.

Condenados a vagar...

Vago pelas ruelas mais vadias
deste país sensível e compreensivo
como uma cascavel.
Entro num lugar esfumaçado
e me faço de durão.
Vamos ver o que acontece?

Desculpe-me a indiscreteza,
mas me compadeci da sua solidão.
Meu apartamento também é solitário,
você ficaria bem nele. Isto é... bem...
Eu gostaria de ser seu amigo desde já.
Gostaria que ao menos você pudesse me entender.
Escute: tenho projetos grandiosos engavetados;
queria ir a Marte
para colocar um pouco de calor humano
naquela aridez gelada...
Olhe-me nos olhos: eu tenho uma fome...

Tudo bem, um tapa a mais, um a menos,
já estou quase gostando de apanhar
ou antes adquirindo anticorpos contra a incompreensão.
Vou continuar em meu caminho sinuoso,
mendigando à escuridão
para obter pingos destilados de luz urbana.

Eu poderia ter tudo o que este mundo pode oferecer;
já tive em minhas mãos
o gozo vulgar da indignação ingênua
e boa parte da podridão do comodismo ocidental,
mas deixei que os cães se fartassem
da sorte que repudiei.
Perdi a fé nos versos,
me fiz companheiro de chacais e avestruzes,
chutei as latas da dominação cultural...
mas não sem antes dela beber um pouquinho,
como o fazem os menos idiotas.

Agora amanhece outra vez
sobre o pesadelo fuliginoso que me verga.
O que me cerca é escravidão voluntária
– todos caminham sorridentes para o cadafalso.
O que tenho eu a ver com isso?
Ora, se...

Cansei de manhãs malditas.
Paro por aqui minha fantasia.

Quero preencher o vácuo
deixado pelo organicismo da alma.
Talvez use do mesmo raciocínio,
se for então o único,
mas não me acuse de contradição.
(Você não está prestando atenção.)

O  que me faz viver é a esperança.
Esperança de viver
ou, mais exatamente,
encontrar a fórmula, a chave,
a cura ou ao menos o paliativo
para a dor de...

Ora pois, você queria poemas (queria?)
e o que tenho é sua vida através da minha.
Apenas pedaços de verdade espatifante
e nem sempre acalentadora,
que meus sentidos pífios conseguem captar...

“Deus é bom”
e enquanto discutimos Teologia,
milhões morrem de fome (e solidão).
Sonhamos com uma prosperidade intervencionista
e esquecemos
que amor e ódio andam de mãos dadas.
(Desculpe a falta de originalidade.)

Bem, estou nu agora.
Tenha um bom apetite.




                                            Tiberius








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