sábado, 10 de março de 2018

Plâncton (7-12)






(Continuação)


7 – Tormenta


Agora é correr,
porque o vento sopra cada vez mais forte;
as águas tumultuam-se;
as vagas engolem a si mesmas;
os recifes escarpados e os bancos de areia
saem de seus lugares;
a tremenda tromba d’água desaba
sobre os monstros marinhos;
o impulso do nado das arraias
é inútil ante à força
que as conduz ao vórtice,
que também trai a si mesmo,
porque sua força é mero caos
e a voragem se autodestrói
para transformar-se em algo ainda mais assombroso
que a iridescência das nuvens,
que se sobrepõem,
ziguezagueando como serpentes
– tempestade multicolor
que toma rumo múltiplo,
multidirecional, caótico,
pois a água não afoga, mas fere;
o céu cai e prossegue;
o mar levanta voo e despenca;
o vento impulsiona os seres alados
e estes se chocam na escarpa daquela rocha
isolada em alto-mar,
erguendo-se qual um agudo Olimpo
em meio à corrente desabalada,
deslocada, tresloucada, impetuosa
quebrando o ritmo da maré selvagem:
as nuvens, ostentando cores quentes,
correm, baixas e altas,
entre estrondos, respingos,
tiros e relâmpagos!


8 – Batalha


Mas sabemos o que está por vir...
Acelere o veículo;
rasteje agora,
salte!
Prometo lhe encontrar
depois do vendaval,
entre a multidão dos aflitos,
       sobre os montes
que tremem aos passos
do dragão descomunal...
Ninguém mais consegue se equilibrar;
o mundo rodopia, se sacode;
o rio varre a aldeia;
o tufão lambe o bosque;
as montanhas implodem;
barcos viram aviões
que logo são abatidos
pelos raios-laser imprevisíveis;
as luzes nos apontam,
vomitando o fogo
que nem a água pode deter.
Bruscamente matam uns quinhentos
e ressuscitam seus cadáveres
para que também lutem por eles.
       Então nos separamos;
o sangue jorra; o fogo cria vida;
fogo cuspido por pterodáctilos
velozes, como todas as máquinas de voar
que estão a se chocar,
entre o pânico dos soldados remanescentes
que berram feito sirenes
– suas entranhas berram,
exultando a horrenda agonia
de toda sua angústia visceral,
absurda,
inconcebível,
incontrolável!


9 – Frenesi


Não olhe para trás;
continue correndo, sempre,
jamais pare,
em hipótese alguma!
Se lhe segurarem,
CONTINUE CORRENDO;
se lhe barrarem,
CONTINUE CORRENDO;
se lhe ferirem,
CONTINUE
a acelerar seu sangue,
que sempre corre mais, mais, mais;
mais longe possível
é para onde você deve ir agora,
esquivando-se das labaredas
e dos jatos de óleo fervente...
       Aaaaaaah!!! Por pouco
você não é surpreendido pelo
indescritivelmente descomunal,
imenso, colossal, terrível,
assombroso, tremendo,
incomparavelmente estrondoso tsunami
que se ergue,
para sepultar em sua queda,
para o resto da eternidade,
uma dúzia de frotas + meia de arquipélagos,
fora os atóis, as enseadas;
– todo o universo está contra você,
até mesmo sua própria vida
ou a sua mais confiável intuição!
Jamais confie no chão em que você pisa;
e, por mais impossível que seja,
TENTE equilibrar-se e continuar correndo
incessantemente,
o mais que você puder.
É tudo uma questão de fôlego:
sempre que você se sentir exausto,
imagine que seu desespero
mal está começando!


10 – Ápice


E o ar
é a pura ação de um jogo
sem regras: montanhas de nuvens
podem esconder em seu bojo
penhascos mortais,
que constantemente
fazem jus ao adjetivo;
mil criaturas no céu
e outras tantas no mar e na terra
tornam este nosso dia derradeiro
um espetáculo fantasmagórico
de nunca vista grandiloquência,
pois todos os sonhos
dos elementos da batalha
são postos à deriva e engolidos
pelas ágeis serpentes marinhas
que gargalham histrionicamente
sob o firmamento que arde
num ciclone que brinca impiedosamente
com cada partícula que rasga,
tritura, torce e arremessa longe;
logo saímos voando de olhos fechados
rumo à orgia boschiana
que exclama entre engasgos:
        “– Corra, mar! Corra, mar!”;
então vibram as espadas
e a profecia milenar,
qual registro de incontáveis grãos de areia,
é insondável, insípida
frente a sua condensação
– cruel materialização
que a nenhum oráculo respeita
e vira as costas aos desesperados,
que pranteiam em terror!


11 – Esvaimento


       Começam a cair,
       brilhantes em sua humildade,
       festivas estrelas cadentes.
De repente, num salto de libertação,
       emerge, poderoso, o negro cavalo alado,
       para sobrevoar os terrenos eventos.
E todo o oceano está em brilhante vermelho,
quando surgem enfim os raios do sol.
Cardumes de incontável número de baleias e afins
rasgam a superfície como ceifadoras
de vastos campos de trigo maduro.
Toda e qualquer espécie de monstro
traga o resultado de tantos esforços vãos.
Sorvem o horror com desmedida gula,
até agonizarem em indigestão.
Rolam sobre sua própria tolice,
sem perceber que não abriram a boca
para o plâncton verdadeiro...
Regurgitem tudo! bigodudos misticetos;
deixem um saudável vazio entre as barbatanas bucais,
não filtrem mais com auxílio delas
(elas não têm mais serventia).
       Acabam por fugir,
os irracionais dragões.
       Os vulcões
       são chafarizes de um líquido inflamável aromático
       que faz queimar apenas o que é inorgânico
       de alma.
O terror, abrandado,
só aterroriza como num antigo filme de suspense.
Os prantos transformam-se em ecos
que se esvaem na neblina matinal.
       A multidão sobe na montanha
e, boquiaberta, a tudo acompanha.
       O vocalista da banda de rock
dá uma pausa para beber água.
       Os remanescentes enterram seus mortos,
enquanto os que perderam a vida,
em tormenta ou em combate,
       igualmente sepultam (no ar) suas mortes.
As baleias finalmente aprendem
que indigestão e remédio amargo são o mesmo,
e que o que realmente interessa vem após as dores.
O sol, já intenso,
inunda a face do globo,
mas não vem para queimar.
O mar flui qual manso açude.
Surpresos, os pássaros se calam por certo tempo.


12 – Agoras


Venha,
vamos descansar tranquilamente
pela primeira vez na vida,
nesta vida de calendários e relógios,
como já descansamos
outrora, em sonhos atemporais.
Nossos sonhos
estiveram sempre desenvoltos
além da circunscrição espaço-tempo,
e nunca como distante nebulosidade.
Estaríamos aqui,
de sempre presente / invariável certeza...
       Venha, cavalguemos o Pégaso
       rumo ao lugar do qual nunca saímos,
mas como se ali nunca tivéssemos
colocado os pés do passado.
Este lugar nunca nos decepcionou;
já se passou o que nos ludibriava há tempos.
       Agora é Agora,
       e, sem sombra de dúvida,
       construímos nossa libertação
       numa inusitada espécie de fuga
de tudo que prenderia nossas mentes,
e de nada que nos fosse concretamente platônico,
pois buscávamos não temer o planctônico
que não é mais o nosso cardápio.
       Vivamos agora no estável,
dignificando o produtivo
da irradiante apreciação
das melodia naturais,
de tudo que se transforma ante à luz
e do sopro do vento,
por meio do qual
mandamos a todas as direções
a inesvaível força que conquistamos.
       Venha! Descansemos sob a árvore.



                                                                       (Março de 1994)








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