terça-feira, 3 de abril de 2018

Poema comestível III





Lili tem um gatinho,
uma bolinha de pelos ronronante
que se destaca brancamente
nos quartos apenumbrados
onde ambos são compulsoriamente trancafiados.

Mintzi tem uma dona
redondinha, gorduchinha de tantos milkshakes
e domingos redentores
de semanas longas de prantos trancafiadores
jamais ouvidos pelos ouvidos abusadores.

Ninguém jamais explica
como crescem assim as bolinhas,
o que as impele a tamanha avidez gastronômica,
se não fossem os astrólogos
e suas fofas previsões de almanaque,
para em meio à troça do Absoluto Racional
pontuarem de constelações
nossas jovens vidas.

A criança observava a trajetória do cometa...
mal sabendo que ele em si não seria jamais visto.
A olho nu pouco nos resta, a bem da verdade
(já sabemos da lição primeira da desilusão)
a menos que o ritual amplificador
um dia desista de nos pregar
mais peças.

Mas, chega de voos da imaginação.
Não foi uma vã imaginação que lhe trouxe aqui,
quentinho e mimoso em minha cama,
carinhoso para suprir a Infinita Carência.
Para que eu supra as suas simplórias exigências,
tão simples de atender, gratuitas...

Lili trazendo atrativos mentais saborosos
mas pouco sustentadoras
ao seu langoroso mascote-amante.
A união que jamais se sustentará,
em qualquer lugar do universo.
Jamais se consolidará
em meio às montanhas de travesseiros e almofadas
de fácil suprimento-retorno.

É por isso que foi engraçado de ver
(de dentro para fora, inclusive)
sua (minha) cabeça explodindo
após aquele silvo tétrico e excitante.

Os pelos e a gordura entretecidos
e as bolhas vermelhas colorindo
o vidro interno.

Mamãe terá alguma dificuldade
para limpar o micro-ondas...
Mas foi necessário.
Por nós dois – você entenderá um dia.
Onde quer que você esteja,
com sua pequena alma roliça
que não poderia sozinha me nutrir.








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