sexta-feira, 23 de março de 2018

Chamado sideral






Acabei de abrir a porta
que me foi proibida de transpor.
A apreensão se dissipou,
ante o facho luminoso
em meio o caos da dor.
Pois segui em frente, através da passagem
que no nada pairava;
algo que não se acreditava fosse concreto,
o que não se suspeitava,
sempre bem perto de nós.
Fermentação intracelular,
uma vontade súbita de me transformar;
abriram-se-me os olhos:
a luz não me queimou.

Nenhum artifício químico
expandiria meus sentidos de tal maneira.
Contemplei a mim mesmo
como realmente sou,
toquei o que sempre me tocou
sem se fazer conhecer.
Expandiram-se os horizontes da percepção;
adentrei o mundo
que nenhum mortal jamais viu;
explorei o verdadeiro ambiente
em que fui gerado,
deixei-me ser
docemente explorado:
“sou sua obra, aqui estou para ser moldado”.

       Agora motivação permeia o fluxo paciente
       – o chamado sideral –
       – detectou-se o sinal –
       – um outro estado de matéria –
       a essência intrínseca desdobrada ao infinito.

Eu vi o segredo
das motivações inconscientes,
deparei com o mecanismo da fé
e perdi todo o medo de reprogramá-la.
Eu vi, acredite em mim;
eu gostaria de lhe contar tudo,
mas presumo seja cedo
para habitarmos tal lugar...

Eu vi a revelação
que após milênios amadureceu.

Tire essa bandagem,
dilua esse rótulo;
é nascida a razão!
Eu vi o sentido de todas as alegorias;
abriu-se-me o pensamento;
meu sentimento obedecendo
ao desdobramento da emancipação mental
e a seu fluxo incessante.
Eu vi o exato instante
do início da derradeira expansão
e ri ante a impressão de já tê-lo visto.
Eu vi a glória e o terror,
despenhadeiros, mares, matas;
a verdade que perdi,
a verdade que encontrei dentro de mim.
Dentro de mim está a essência
e eu, onde estou?

       Agora motivação permeia o fluxo paciente
       – o chamado sideral –
       – detectou-se o sinal –
       – um outro estado de matéria –
       a essência intrínseca desdobrada ao infinito
       e então de volta à amplitude,
       em maior velocidade.

Eu vi a luz que não se apaga,
a cândida destra que afaga
minha forma calejada de desilusões.
Eu vi o retrato exato do que é verdadeiro
e reformulei meus conceitos de perfeição.
Deixei de estar para ser;
como traduzir o que ouvi?
Ouvi o clamor das miríades de apenados
a estenderem suas mãos maculadas de pecado:
eu vi, eu e somente eu vi
a beleza radiante da inocência ali oculta.
Envolto em remorso,
fui arrebatado à imensidão
da sabedoria integral,
inculta em meu íntimo espacial.
A sabedoria que ouvi
como se fosse a primeira vez...
Como se eu fosse um outro ser,
indiferenciado da fonte
do chamado eterno,
interno,
externo,
holisticamente pleno
de transcendência e imanência.

Eu vi tudo isso
e me vi com outros olhos.
Ainda não consegui me readaptar,
mas é um doce preço, afinal,
pois encarei o grandioso segredo.
(E eu sou um segredo também,
mas estou sempre aberto pra você)

Num outro estado de matéria você tem parte,
eu sei.
Num outro estado de matéria
nos amamos sem tempo,
e nos entendemos como somos.
Eu vi o suprassumo prestes a me receber
e por um momento quis partir pra sempre,
mas estaria você apto a vir comigo?
Eu, que vi tudo isso,
não me considero ainda merecedor...
Refleti sobre o caráter da visão,
as arbitrariedades da interpretação...
ante a possibilidade da urgente união
de nossos dois destinos num único...
e retornei, decidido
a lhe amparar na subida
dos primeiros degraus.








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