terça-feira, 3 de abril de 2018

“Ich soy Braziliano” (4-7)






(Continuação)


IV

Fazer, fazer, fazer.
A ordem está inscrita no meu DNA.
(Se bobear, no RNA também.)
Fazer, fazer, fazer.
Produzir, extrair, servir
a uma grande fera de tantos olhos e cabeças
que de vez em quando chego até a confundir
uma delas com a minha.
A minha cabeça mesma,
na versão “busto de pedra-sabão”
está sempre sendo feita e refeita,
tanto, que muito provavelmente sente
as dores do fígado de Prometeu
com as cutucadas dos cutelos
e as porradas dos martelos
dos meus alter egos e eus líricos
desgraçados.

Ou mal alimentados.
Excesso de feijão com arroz
e bananas com chiclete.
O melhor sempre vai para a forragem das bestas
ou de certos bichos de estimação
que moram bem longe.

Comer, beber, morrer.
Fazer falta na vida de alguém
do mesmo modo como o alguém
faria falta na minha.
Agir, cair, sair
dos espaços que me abrigam
cada vez que eles começarem a dar
indícios de traição.
Se tudo nesse País das Maravilhas
possui dois lados,
quanto mais não o teria o meu infinito e infinitivo
fazer, fazer, fazer!!!

V

Temer.
Temor.
Sempre chega a hora do espelho,
da obra do espelho,
da obra da obra do espelho
e toda essa já cansativa fractalidade
manjada desde a época da festiva psicodelia
já morta e enterrada.
Sempre houve um tempo,
nessa incomensurável ilhota perdida,
em que cada um de seus habitantes,
passantes, foragidos e parasitas,
fossem eles quem fossem,
tiveram que encarar seus próprios olhos ao contrário.

A hora chegou para mim.
A hora chegou para você.

Mas, sei lá,
ela sempre chega na hora do futebol...
É uma sina...
Talvez o jeito seja juntar tudo
nesse campinho de várzea,
as Terras do Nunca, os Países das Maravilhas
e principalmente os espelhos malucos;
será no mínimo uma divertida Casa da Mãe Joana
esperando por sua autoexplicação.
(Na hora do perigo, basta só chutar para frente,
o que já é tradição.)

VI

Não, não vou ficar eternamente deitado
neste berço.
Vou é carregar junto comigo,
ao longo das vias do espaço cósmico,
a minha arte de fazer berços
sempre diferentes e sem molde pré-definido.
Jorra do meu peito
uma inventividade maníaca,
viscosa e aromática
como a seiva da primeira daquelas
humildes madeiras vermelhas
que fora despedaçada em toras enviadas
ao olho de um grande redemoinho transatlântico.
Transpacífico me vejo
em minha solidão sertaneja,
minha ocasional lassidão
tão necessária ao funcionamento
das engrenagens da vida.
Transamazônico, eu, com estes meus caminhos
que não me levam a lugar algum
além de minha idílica fábrica de caminhos.

“Olhem, pequeninos...
onde a arte leva um homem!...
Miséria e infâmia sem nome... ”

Sacudo a poeira.
A fuligem acima e entre
estes megalitos retangulares gigantescos
não são uma digna opção à lama
e aos inços do meu primevo matagal.
Um mundo sem sujeira e sem obstruções
– me pergunto se sou capaz
de simplesmente imaginar isso.
Preciso de uma urgente faxina,
além da periódica,
em meu mecanismo de extração de imaginação
– deixem fora da crítica
a inocência da fonte!

VII

As fontes dos meus maiores rios
estão alhures...
Nem me pertencem, estas idas-com-o-vento
ancestralidades e reminiscências
tão ambíguas e empoeiradas nos quadros
das paredes das bibliotecas
e repartições públicas execráveis.
Um solo que me escapa
tanto como meus pés dele escapam,
mesmo com toda tentativa de, talvez infantilmente,
sentir um pouco da mítica experiência
de ser raiz.

Sigo em frente nesta ampla plantação,
esta esperança de um cultivo,
uma extração de raízes surpreendentes.
Nem que seja, ao fim e ao cabo,
uma super mega transgenia,
perene híper transmutação conveniente
a seres ultra extra intra
metamórficos.

Ressuscito caleidoscópios psicodélicos
em novas tecnologias
para o êxito da nova exposição
dos meus novos rostos
moldados em bustos hologramáticos interativos.

Depois, largo tudo em boas mãos
e fujo novamente,
anonimamente na infinita estrada
dos saboreáveis empecilhos.

Fluído e maleável à minha própria vontade,
dono de mim mesmo,
mutante, tropical e subtropical
eu vou!


                                                      (2008-2018)







Art by Cícero Brito

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